Entrevista #42: ...From The Abyss

Hail Headbangers!
Unindo o horror cósmico do Universo 'Lovecraftiano', com a essência do 'Death' Metal dos anos 90 a ...From The Abyss apresenta sua proposta musical que nos remete ao nível mais profundo das nossas almas, por isso mesmo, apresentamos essa entrevista, para que todos possam conhecer mais do verdadeiro horror! Com vocês, ...From the Abyss.



1) Hail ... From the Abyss, grande satisfação em estar fazendo essa entrevista, gostaria, para começar, sabendo um pouco da formação inicial da horda, como surgiu o intuito de fazer um 'Death' metal tão maldito? Que nos remete aos anos 90, e como foi o recrutamento dos músicos? Já que vocês tem passagens por outras bandas.

Elder Mythos Cultist: Saudações. Agradecemos o espaço cedido. ...From the Abyss surgiu em meados de 2015, ainda que o conceito que orienta a banda seja um pouco mais antigo.
Em seus primeiros dias, a formação contava somente comigo, Abhoth e Azathoth. Após alguns ensaios como um trio, recrutamos Elias, um amigo de longa data, para assumir as linhas de baixo da banda. Cabe lembrar que atualmente Elias toca em uma banda de 'Grindcore' chamada Unruly Inc, e já tem uma estrada no 'underground' de São Luís, com passagem por outros projetos, como a horda de 'Black' Metal Oath e a banda de 'Death' Metal Demonic Hate. Com esta formação, começamos a dar forma às primeiras composições de Azathoth.
Após a saída de Elias, chamamos Bruno, outro amigo que tocava com Azathoth na Grave Reaper, banda de 'Speed'/'Black' Metal – na qual também já fui vocalista por um período – e que já passou por bandas de 'Thrash' Metal e 'Heavy' Metal em São Luís como a Heavy Drinkers, Metalholic e Attomik War. Com esta formação, fechamos as composições que mais tarde apareceram no "The Rise…" e fizemos duas apresentações em São Luís. A formação atual da ...From the Abyss foi estabelecida a partir do aceite de Bergar para assumir o posto de baixista da banda. Com esta formação já fizemos apresentações em São Luís e Teresina e estamos trabalhando em novas composições, uma das quais já se encontra nas plataformas de áudio Black Aberration. Bergar, também amigo nosso de longa data, hoje toca bateria nas bandas de 'Hard'/'Prog' e 'Death' Metal Canyon e Demonic Hate, respectivamente, além de ter participado das hordas Sardon, Ordo Satanii, OathBellhharar.

Azathoth: Quanto ao intuito de criar a ...From the Abyss, posso dizer que apesar de, desde o ano de 2010, tocar guitarra na Grave Reaper, uma banda de 'Speed'/'Black' metal, sempre tive 'riff's' de 'Death' Metal gravados, pois minha formação no metal extremo se deu, especialmente, a partir do 'Death' Metal. A referência aos anos 90 foi algo que apareceu de forma muito natural e é derivada de minhas principais referências dentro deste universo estético: Mortem, Cannibal Corpse, Immolation, Morbid Angel, Deicide, etc., e, especialmente, o Incantation com o clima obscuro e tétrico produzido em Onward to Golgotha e Mortal Throne of Nazarene. Referências que, obviamente, são compartilhadas entre todos nós da ...From the Abyss.


2) "The Rise of the Ancient Nightmare" é um excelente EP. Como foi o processo de composição e produção do mesmo? E vocês ficaram felizes com o resultado final desse 'opus'?

Elder Mythos Cultist: Após um tempo sem atividades, retomamos os ensaios com a intenção de finalizar o processo necessário para o lançamento deste EP. Ele foi gravado como um trio, com Azathoth assumindo as guitarras e as linhas de baixo. Vale lembrar que este material foi produzido e masterizado por Bergar – que na época ainda não era membro da banda –, o qual, além de multi-instrumentista, é um excelente técnico de som.
Por conta do entendimento de Bergar acerca da nossa proposta musical, não tivemos muita dificuldade para atingir a qualidade que queríamos, obviamente dentro do que havia disponível naquele momento. Em relação à sonoridade, ficamos muito satisfeitos com o resultado final e a atmosfera alcançada. Inicialmente, o material deveria sair como um 'full lenght', entretanto, o fator financeiro foi um dificultador e, como já tínhamos um certo tempo de banda, decidimos em lançar em CD-R, ainda que com um trabalho gráfico mais cuidadoso. Estamos em processo de conversas para que este EP saia, também, no formato 'tape'.

Azathoth: Quanto ao processo de composição, ele é sempre iniciado com uma ideia de 'riff' que eu ache adequado para a banda e sua proposta. Algumas músicas eu já entrego praticamente pronta aos outros membros, outras apenas meio encaminhadas, algumas outras, somente com um 'riff'. De qualquer forma, o aspecto final da música é decidido coletivamente, nos ensaios. Todos os membros dão sua opinião sobre meus 'riffs' iniciais e as estruturas das músicas, seja propondo inclusões, exclusões, mudança de forma de execução, etc. Bergar, nessa nova formação da banda, já tem trazido ideias de músicas que, em conjunto, estamos desenvolvendo na mesma lógica que eu citei a pouco.


3) Na sonoridade de vocês é possível perceber umas passagens que flertam com o 'Doom', que dão mais peso para a música em si. Como vocês veem essa quebra de andamento, onde aparentemente o pessoal só associa o 'Death' a velocidade?

Elder Mythos Cultist: Essas mudanças de andamentos das músicas são oriundas de nossas influências musicais, em especial das influências do Azathoth, que é quem criou todos os 'riffs' da banda até o EP. Estas partes mais lentas surgem naturalmente e creio que seja a nossa marca mais evidente. Isso porque, para nós, é o que dá a atmosfera tétrica e obscura que queremos atingir com nossas músicas. Pensamos que o 'Death' Metal vai além da velocidade, ainda que não a exclua, é claro, pois deve sempre haver morbidez para que a atmosfera sonora fique mais densa e sombria.

4) As fotos do EP "The Rise of the Ancient Nightmare", foram retiradas na Fonte do Ribeirão que, pelo que pesquisei, é um lugar que tem umas lendas regionais. Poderia nos contar um pouco sobre elas?

Elder Mythos Cultist: A Fonte do Ribeirão foi construída em 1796 para melhorar o fornecimento de água naquela região da cidade. A lenda mais conhecida é a da 'Serpente Gigante adormecida'. A sua cabeça encontra-se na fonte do Ribeirão e a cauda, abaixo da Igreja de São Pantaleão. Num determinado dia a cabeça encontrará a cauda, ela despertará de seu sono secular e destruirá a ilha de São Luís. Outras histórias sobre a fonte dizem que os canais da fonte serviam de ligação entre as igrejas na cidade, ou então que elas possibilitariam fugas em caso de alguma invasão estrangeira ou revolta popular.

Azathoth: Há algo mais 'Lovecraftiano' que isso? (risos)



5) Citando agora a maior fonte de inspiração de vocês, é sabido que um ponto negativo das obras de Lovecraft, é a xenofobia e o racismo, que são bem nítidos no trabalho do escritor. Acreditam que isso pode, de alguma forma, afastar o público das obras do autor?

Elder Mythos Cultist: Bom, creio que muitas pessoas não saibam desse fato. O que vem a seguir, devemos ressaltar, não é uma tentativa de validar o racismo do autor Lovecraft, devemos contextualizar a estrutura ao qual estava inserido, e aqui podemos separar a obra do autor e de suas práticas, pois como seriam os contos de terror/horror hoje em dia sem a contribuição do criador de Cthulhu?
Partindo da premissa do racismo, pode-se dar outra perspectiva ao assunto, como o livro "Território Lovecraft" de Matt Ruff, une ficção histórica e 'pulp noir' ao horror cósmico de Lovecraft para explorar os terrores da época de segregação racial nos Estados Unidos.
Outro caso curioso que pode ser citado aqui, é a HQ "Necronomicon", de Alan Moore, em que Lovecraft é retratado como um fanático (o detetive Sax), e tem uma marca de uma suástica na testa, tipo Charles Manson. Assim como "Território Lovecraft", "Necronomicon" também mostra que o verdadeiro terror é o racismo encrostado na sociedade, seja ela à época em que o autor era vivo ou nos dias atuais.

Azathoth: Há um debate já antigo no interior da crítica literária sobre a relativa independência entre o autor e a obra estética. A obra não se resume à personalidade do autor, nem mesmo ao contexto histórico em que o autor se encontra enquanto escreve, ainda que tanto questões internas quanto externas ao autor possam aparecer na obra enquanto combustível estético para a mesma. Ou seja, para entender uma obra, esses elementos não aparecem como centrais, ou única fonte para a explicação, mesmo que não possam ser desconsiderados. Uma obra artística tem uma lógica interna de construção e esta nem sempre pode ser resumida a partir do contexto social em que ela foi produzida, ainda que aquele possa sim influenciar nessa. Sim, é complexo mesmo.
O caso de Lovecraft é complexo e emblemático dessa discussão, penso. Há uma biografia muito rica sobre ele escrita por um pesquisador que mundialmente é reconhecido como o principal especialista em sua vida, que é o S.T Joshi – fica a recomendação aos interessados. Neste livro somos levados à reconstrução – muito bem documentada de forma rigorosa pelo autor – da trajetória da vida de Lovecraft. Ele foi um indivíduo com uma criação muito estranha, nascido numa região extremamente conservadora e no seio de uma família abastarda e muito orgulhosa de sua ascendência europeia.
O pai de Lovecraft, antes de morrer louco pela sífilis, tinha alucinações do tipo: “há um negro querendo estuprar minha mulher”. Cumpre lembrar que essa figura do negro criminoso, selvagem e estuprador de mulheres brancas sempre foi muito presente no imaginário social dos estadunidenses. S.T. Joshi encontrou referências racistas nos escritos de um jovem Lovecraft que, pela idade, ainda não podia ser capaz de elaborar ou mesmo entender uma teoria racista por si próprio, sugerindo assim o peso do ambiente familiar marcado pelo racismo, afinal, esses escritos circulavam entre os seus familiares e não há indícios documentais de que tais inclinações tenham sido reprovadas.
Além disso, se ainda hoje negros são sufocados até a morte por policiais brancos nos Estados Unidos, e o direito ao voto só tenha sido conquistado – a base de muita luta, entrega, mortes e sofrimento – nos anos 1960, é óbvio que na época de sua vida isso fosse uma regra ainda mais geral em sua sociedade. É importante lembrar que, pelos fins do séc. XIX e início do séc. XX, a própria ciência – com um ranço biologizante evidente –, em muitas correntes, defendia a existência de uma desigualdade e, portanto, hierarquia entre raças humanas. O que para nós é bizarro e sem sentido, uma obviedade em seus termos de absurdidade, para a época era ciência. E inclusive ensinada em nossas faculdades de Direito e Medicina, sob a influência de um Arthur de Gobineau ou Césare Lombroso.
Havia toda uma estrutura social racista que produzia, em ampla escala, sujeitos racistas. É óbvio que não estou defendendo Lovecraft. Mas, para entender as coisas de forma correta, os 'pingos nos is' devem ser postos.
Lovecraft, apesar de ser um prolífico escritor de cartas, era um homem de horizontes sociais muito estreitos. É por isso que sua estadia em Nova York, pela década de 1920, foi tão perturbadora para ele. Era um lugar de múltiplos encontros étnicos, de profunda dinâmica causada por um capitalismo em franca expansão. Para um homem que desde criança nutria uma visão fetichizada da Inglaterra vitoriana do séc. XVIII, a Nova York do séc. XX só poderia ser vista como um pandemônio de gentes e arquiteturas insuportáveis.
Não por acaso, é dessa época suas cartas mais repulsivas em termos de preconceitos raciais e xenofobia.
O que torna Lovecraft ainda mais complexo é que sua visão de mundo, na perspectiva dos estudiosos de sua obra, encontra ecos para além de citações absurdas em seus textos ou de suas cartas e escritos jornalísticos amadores. Ela moldada a própria noção de horror cósmico, em certo sentido, com a ênfase no medo que o autor sentia dos povos que ele não conhecia e sentia uma repulsa profunda e num mundo em transformação que ele também não podia observar sem horror.
É curioso que, ao fim da vida, Lovecraft tenha ampliado mais os seus horizontes sociais e começava a mudar sua visão de mundo tão preconceituosa. Há um documentário no Youtube chamado "O Medo do Desconhecido", no qual várias pessoas que estudam sua vida e obra, apontam que essa mudança pode ser percebida. Quem sabe o que poderia vir dessa mudança, ainda que lenta e tardia, de mentalidade…
O fato é: Lovecraft foi racista e xenófobo sim. O que fazer com sua obra? As influências sobre diversos âmbitos da cultura é evidente. Inclusive subvertendo o racismo presente nela, ressignificando-o. A discussão está em aberto.


6) No horror cósmico fica evidente que a humanidade é totalmente insignificante perante o Universo. Essa visão niilista e de desprezo à sociedade de forma geral, interfere na parte musical da horda?

Elder Mythos Cultist: Não interfere. Temos a visão de que a humanidade, em geral, é muito egoísta perante o desconhecido. Interpretamos esse niilismo e desprezo, como algo corriqueiro na sociedade que ignora o fato de provavelmente não estarmos sós no Universo.
Nós, humanos, achamos que somos os únicos em algo que é praticamente infinito, porém somos apenas um grão de areia diante do cosmo. Como li certa vez, o horror cósmico é tradução da magnitude e indiferença do Universo perante aos ideais dos humanos que julgam ser superiores. Este desperta um turbilhão de sentimentos no leitor, e este deve encarar esta leitura como algo filosófico.

Azathoth: Em "O Horror Sobrenatural na Literatura", Lovecraft aponta bem o que seria o horror cósmico, a suspensão das leis ordinárias da natureza e a intromissão de poderes incompreensíveis no mundo humano. É nesse sentido que a pequenez humana diante do cosmos fica evidente. Enquanto inspiração lírica, podemos ver nas letras da banda a existência de mundos exteriores, ameaças à humanidade, abismos cósmicos e entidades incompreensíveis.


7) Vocês consideram usar algum outro universo da literatura de horror nas suas composições? Como, por exemplo, Edgar Alan Poe, ou até autores mais recentes como Cliver Baker que tem "Os Evangelhos de Sangue" como um grande trabalho que cria em si toda uma mitologia.

Elder Mythos Cultist: Não somente estes citados, mas outros autores e outras fontes de inspiração que vão além da leitura. Azathoth e eu, principalmente, somos aficionados por todo o mistério que circundam o lado sombrio da humanidade. Os últimos escritos da banda são inspirados em Bloodborne e Berserk, que têm nos servido como fonte de inspiração para escrever.

Azathoth: Apesar de forcarmos na vertente do horror cósmico, eu sou leitor de ficção fantástica, horror, gótica, ficção científica, etc., e nada impede que tais influências possam aparecer na parte lírica da banda.


8) Recentemente, no nosso programa de 'web radio' na Mutante Radio, executamos o mais recente 'single' de vocês, Black Aberration, que é um som excelente. A faixa fará parte de um novo trabalho da horda? E como o isolamento devido ao Covid-19 afetou a banda?

Elder Mythos Cultist: Futuramente, quando tudo isso acabar, pensamos em lançar o nosso primeiro 'Full lenght'. Se tudo der certo no próximo ano. Apesar de nãos estarmos ensaiando devido a pandemia, continuamos compondo, seja 'riffs' ou letras, para que futuramente possamos aperfeiçoar dentro do estúdio.

Azathoth: Agradeço o 'feedback' positivo sobre Black Aberration. A princípio, ela foi gravada para fazer parte do projeto de relançamento do EP no formato 'tape'. A pandemia atrasou esse plano, assim como – obviamente – interrompeu nossos ensaios.



9) Infelizmente ainda não consegui assistir nenhuma apresentação ao vivo de vocês. Como
poderiam descrever um 'show' da ... From the Abyss?

Elder Mythos Cultist: Tentamos passar a mesma sensação e impacto que leva o nosso EP,
tentamos dar o nosso melhor para que seja denso e obscuro o suficiente para fazer jus a nossa proposta lírica e sonora.

Azathoth: Sinceramente, não há nada de muito especial em termos de parafernálias. Há sempre o compromisso em cumprir com o que foi acertado com a organização do 'show' e executar as músicas da forma que achamos que devem ser executadas…



10) Obrigado pela entrevista! Gostariam de deixar algum recado para os leitores do site Underground Extremo?

Elder Mythos Cultist: Agradecemos ao espaço cedido por vocês. E caso alguém que leu esta entrevista queira adquirir nosso material, camisas, realizar entrevistas, etc., basta entrar em contato pelo email, ft.abyss@gmail.com ou pela nossa página no Facebook.

Revisado e editado por Carina Langa.