Entrevista #12: Uganga

Do Cerrado para o Mundo

Um dos motivos que nos mantem vivos na cena, como mídia alternativa é poder ter o contato com bandas que sempre admiramos, e sem dúvida o Uganga é uma delas, desde a estreia com Atitude Lotus, venho acompanhando a banda com “meus velhos olhos de enxergar o mal”. E agora aqui estamos nessa entrevista exclusiva, tentamos fazer um apanhado de toda a carreira dessa verdadeira herança do metal nacional:

1)Hail Uganga, uma banda formada em 1993 está comemorando bodas de prata com o Underground. Olhando para trás é possível apontar os pontos altos dessa jornada, de maneira bem resumida para nossos leitores quais seriam os legados da Uganga?
R: Manu “Joker” Henriques - Os pontos altos foram vários. Ter pessoas interessadas na nossa música e, principalmente, nós seguirmos interessarmos e empolgados com o que fazemos tanto tempo depois, a meu ver, são os pontos mais altos desse rolê de mais de duas décadas. Isso nos possibilitou rodar por vários países, conhecer pessoas e artistas incríveis, realmente eu só tenho a agradecer a tudo que a música me deu. A pessoa que eu sou hoje se deve em muito a essas experiências, com toda certeza. Sobre nosso legado, ele ainda está sendo construído.

2)Olhando o material da banda , resenhas e entrevistas, para preparar a nossa encontrei um detalhe interessante: além das turnês na Europa a banda já tocou ao lado de bandas como Ratos de Porão, Krisiun, Tim “Ripper” Owens, André Matos, Cathedral, Racionais MC’s, Dead Fish, Marcelo D2, Vulcano, Mystifier, Macbeth, Dr. Sin, Garage Fuzz... São nomes bem diversos então gostaria que comentasse como foi a recepção de públicos tão diversos, e existem diferenças de headbangers europeu para brasileiros?

R: Manu “Joker” - Realmente nós sempre circulamos por vários meios, o Uganga nunca se prendeu a um único nicho musical para divulgar sua música e com certeza preferimos assim. Música é música, vai da formação e interpretação de cada um, não é algo que se coloca uma etiqueta e entrega em série. Óbvio que em alguns segmentos a gente está mais presente, como no metal e no hardcore/punk, mas conseguimos ir além desses meios sem mudar uma vírgula da nossa música ou postura. Além dessas bandas que você citou, já tocamos também com Imolation, Moonspell, Pato Fu, Odair José, Cólera, Sepultura, Camisa De Vênus, Periferia SA , Corrosion Of Conformity, Coroner, Exodus, Mundo Livre S/A, Almah, Noturnall, entre várias outras. Acho algo bastante saudável essa diversidade, só não curto quando determinadas bandas ficam tentando adaptar sua música a determinada tendência ou momento. Essa não é nossa onda, no Uganga tocamos onde formos convidados, e não importa com quais bandas, porém sabemos muito bem quem somos. Óbvio que se for um evento com uma ideologia que não nos identificamos ai a gente não toca, mas de resto já tocamos até com Chico César (risos). E foi um evento foda!

3)A música do Uganga tem muitos experimentalismos ligados ao som, isso sempre foi uma influência dos músicos ou foi sons que vocês tiveram contato a medida que iam formando a sonoridade da banda?

R: Manu “Joker” - Desde o início da banda, e antes disso até, esse lado mais livre estava presente na musicalidade dos integrantes do Uganga. Apesar de termos formações musicais diferentes, todos temos a cabeça aberta para estilos como o rap, o jazz, o funk anos 70, a música de raiz, o dub, etc... Em algum momento, até inconscientemente, isso acaba sendo inserido na nossa fusão de metal e hardcore/punk, que é o básico da nossa música. Quando formamos a banda a ideia de fundir determinados estilos num tipo bem pessoal de crossover já estava presente. Acho que no início a gente carregou um pouco na mistura em alguns momentos, hoje isso acaba sendo mais um tempero que acrescentamos ao nosso som, algo aqui e ali. Temos uma identidade musical definida, porém ela não é limitadora.


4) Lembro quando surgiu o movimento triangulo satânico mineiro pois a quantidade de bandas extremas que vinham dessa região era absurda, além de ter lançado alguns orgulhos nacionais como o Sarcófago e Sepultura, porém hoje como anda a cena extrema mineira? Quais nomes devem chamar atenção dos bangers a longo prazo?


R: Manu “Joker” - Eu não sei houve um movimento triângulo satânico mineiro... Lembro do Krow usar esse lema de maneira divertida em algumas camisetas, o Scourge também estava bem ativo, nós sempre estivemos por ai, e sempre tem bandas surgindo e outras acabando... Mas não foi uma ação entre as bandas ou algo assim, foi um momento onde todo mundo estava correndo bastante e com boa visibilidade. Eu acho que Minas Gerais sempre teve bandas excelentes, o rock pesado aqui é forte. Sarcófago, Sepultura e todas as bandas da safra anos 80 de BH deixaram um enorme legado e seguem influenciando artistas em todo o globo. Aqui pelos lados do triângulo mineiro, já que estamos há seis horas de Belo Horizonte, também sempre rolou uma cena rock forte. Claro que em alguns momentos o espaço de maneira geral está mais em alta ou em baixa, mas independente disso sempre tiveram bandas interessantes por aqui. Atualmente posso citar Seu Juvenal, Olorum, Wolfbreath, Chafun Di Formio, Black Pantera, Munõz, Pulmão Negro, No Defeat, Innominatum...

5) Marco além de baterista da banda, foi responsável pelas capas e pela arte gráfica, certo? Entretanto, a capa de Opressor foi feita por Beto Andrade. Conte-nos um pouco como vocês chegaram a ele, e sendo alguém de fora da banda ele teve acesso as música para poder desenvolver o trabalho?

R: Manu “Joker” - O Marco na maioria das vezes faz a direção de arte dos nossos trabalhos. Em alguns ele cuidou de tudo e em outros, como no caso do Opressor, ele fez só o encarte e trabalhamos com um artista de fora na capa e contracapa. O Beto foi o Marco mesmo quem indicou, o cara já havia feito umas artes pra grife dele, a Incêndio Shop, e todos nós curtimos o seu estilo. Inicialmente ele fez uma camiseta pra nossa primeira tour na Europa, todo mundo achou foda e optamos por convidá-lo para fazer a capa. Eu geralmente passo um conceito, uma ideia pra arte, até por ser o letrista da banda, e o profissional vai desenvolvendo e nos mandando esboços. O Beto conhecia nosso som mas acho que ele não teve acesso ao Opressor enquanto estava criando. Se teve foi uma música ou outra só... Mas com certeza ele conhecia o som do Uganga. Pro novo álbum, Servus, vamos trabalhar novamente assim, Marco fará o encarte e a capa e contracapa ficará por conta do Wendell Narkedmi, um artista de Pernambuco muito foda que já fez trabalhos para bandas como Ratos De Porão e Cólera.

6)Quando fui resenhar o trabalho da Uganga eu pensei: “Pow, como vou definir isso já que é um som com caminhos tão diferentes, indo do Thrash, Hardcore e elementos regionais”? Hoje a dúvida ainda e a mesma, mas já e fácil dizer que existe um som Uganga, que é a personalidade da banda. Vocês concordam com essa visão?
R: Manu “Joker” - Sim, realmente acho que somos uma banda difícil de classificar. Muitos chamam de thrashcore, por mim tudo bem, mas particularmente acho que nosso som vai além desses dois estilos. Prefiro falar que fazemos rock pesado cantado em português.

7)Como citei anteriormente lendo umas resenhas e materiais para essa entrevista, é muito comum encontrar a frase ex-Sarcófago. Isso chega a um ponto de irritar vocês ou já é algo superado pela banda?

R: Manu “Joker”- Não, a gente lida numa boa com essa questão. Na verdade eu sou mesmo um ex-Sarcófago, e se alguns veículos de imprensa optam por citar isso, tudo bem (risos). O que não dá pra rolar é qualquer tipo de comparação pois são bandas muito distintas musicalmente e ideologicamente, apesar de, não só o Sarcófago como várias outras bandas daquela época, nos influenciarem. O Sarcófago já tem seu lugar na história, é um nome respeitado no mundo e se tornou uma banda cult. Já o Uganga, como disse anteriormente, ainda está construindo o seu legado. Ainda temos muito pela frente.

8) Sendo uma banda que não para, vocês estão lançando o DVD Manifesto Cerrado. O que podem nos adiantar desse trabalho e como vocês avaliam o mercado fonográfico? Até que ponto é lucrativo uma banda lançar um material desse com tanto esmero?

R: Manu“Joker” - Manifesto Cerrado foi algo que apareceu no meio do processo de composição do Servus. Nós aprovamos um projeto na lei municipal de cultura para a gravação de um DVD e inicialmente seria um show completo mais um mini-documentário sobre a produção do Opressor. O fato é que muitas coisas rolaram nesse meio tempo, tivemos problemas de saúde na banda, viramos um sexteto, voltamos pra Europa, foi uma época bem intensa com vários acontecimentos marcantes. Tudo isso levou a coisa para outro lado e o mini doc acabou virando um longa metragem que abrange toda a história do Uganga, porém com um foco maior no período que antecede as gravações do Opressor até os dias de hoje. Além disso tem um show completo na Estação Stevenson aqui em Araguari, num formato diferente, com a banda tocando em círculo e somente alguns convidados mais próximos. Tanto o longa metragem quanto o show tiveram direção do nosso chapa Eddie Shumway da Travesseiro Discos e o show foi capatado, mixado e masterizado pelo mestre Gustavo Vazquez (Rocklab). Com essas mudanças, os custos do projeto aumentaram e a diferença quem bancou foi a Sapólio Rádio, selo que trabalhava com a gente na época. Trabalhar com pessoas sérias e honestas faz as coisas rolarem tranqüilo e nós sabemos bem escolher as parcerias do Uganga. O suporte do nosso empresário Eliton Tomasi nessa parte foi crucial, trabalhamos juntos com ele para viabilizar esse DVD sem ter que tirar grana do bolso e conseguimos com êxito. Eu cuidei da produção musical e a capa e toda arte novamente ficou a cargo do Marco, que mandou muito bem como sempre. 



9)Em tempos de moralismos, e tantas ideologias para dizermos no mínimo estranhas, as letras do Uganga soam como um suspiro de inteligência e indignação com o mundo a nossa volta. Estamos tão longe assim de quebrar as correntes da intolerância?

Manu “Joker” - Eu diria que vivemos tempos difíceis. Os mandos e desmandos dos políticos no Brasil, toda essa roubalheira nojenta que vem de muito longe, criou um trauma muito grande na população e, em momentos assim, os pensamentos extremos ganham força, assim como os falsos messias. Se por um lado qualquer comentário pode ser mal interpretado pela patrulha do politicamente correto, por outros o racismo, o nazismo, o fascismo, o machismo, o comunismo e vários outros “ismos” vão ganhando força, em especial na internet que é terra de ninguém e onde covarde vira herói. Acho que estamos passando por um período muito importante da história do país, um período que deixará marcas profundas no Brasil e espero que saibamos, enquanto povo, buscar essas mudanças com união e não polarização radical.

10) Obrigado pela entrevista, para nós do blog Underground Extremo é uma grande honra, somos uma mídia alternativa e ficamos muito felizes quando grandes bandas disponibilizam tempo para conversar conosco. Gostariam de deixar um recado para nossos leitores?

Manu “Joker” - Nós agradecemos o espaço e desejamos vida longa ao Underground Extremo. Nos vemos na estrada e fiquem ligados que no segundo semestre sai nosso novo álbum, Servus. Pax!

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